
Christiane Bôa Viagem, jornalista
Em época de Natal, o bom velhinho surge por todos os lados para cultivar a ilusão infantil de ganhar presentes. No entanto, nem todo velhinho é “bom”.
Há quatro anos, um Papai Noel foi acusado de abuso sexual num shopping em Contagem-MG [1]. As fotos dele com a criança no colo circularam pela internet, redes sociais e imprensa, e chamaram atenção devido ao volume aumentado entre as suas pernas. Segundo o acusado, ele tem uma doença nos testículos que faz com que cresçam. Polêmicas à parte, claro que nem todo Papai Noel age de forma suspeita, mas ficar atento e não deixar uma criança sentar-se no colo de um adulto desconhecido é mais do que recomendado.
No texto “Como identificar o abuso sexual infantil intrafamiliar”, publicado em 30/10/23, trouxemos alguns dados do Ministério da Saúde sobre o assunto como faixa etária das crianças, locais onde acontecem os casos – a maioria em casa –, além dos sinais para identificar uma criança vítima de abuso. Observamos que estes dados não detalham o perfil do agressor. Mostram apenas que a maioria dos agressores é do sexo masculino e o crime é praticado por familiares, parentes ou conhecidos da família. Não há, por exemplo, classificação por idade do abusador. Referimo-nos a idade pelas notícias recorrentes de pedofilia e abuso sexual infantil praticado por homens idosos.
Numa busca rápida no Google, é possível observar notícias recentes de todos os estados brasileiros que apresentam homens idosos presos por suspeita ou em flagrante por prática de abuso sexual infantil, armazenamento de fotografias pornográficas com crianças entre outras formas de violação. Nessa busca, não havia nenhum estudo brasileiro que apontasse ou estabelecesse a relação entre a terceira idade e a busca por relações íntimas com crianças e adolescentes. Talvez fosse um bom ponto de partida para desenvolver pesquisas em diferentes áreas do conhecimento.
Para psicólogos, o primeiro passo é avaliar o abusador idoso devido a algumas condições que podem acometer pessoas da terceira idade. Investiga-se a ocorrência de algum tumor cerebral, que pode ocasionar mudanças abruptas de comportamento como o hipersexualizado. Ou algum tipo de demência que pode estar relacionada também à alteração comportamental. Além disso, investiga-se transtorno de sexualidade, de personalidade, por exemplo.
O artigo “Perfil psicológico e comportamental de agressores sexuais de crianças” [2] traz perfis de abusadores a partir de dados do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Aponta que os criminosos sexuais fazem parte de qualquer classe socioeconômica, raça, grupo étnico ou religião – não é mencionado a faixa etária. A grande maioria desses agressores não tem comportamento criminal específico. O grau de escolaridade é ensino fundamental ou médio e está empregado. Apenas 4% sofrem de alguma doença mental severa.
Ainda segundo o artigo, os abusadores planejam a ação com antecipação de horas, dias ou até meses. Apesar de compreenderem que estão agindo fora da lei, se convencem que não estão e de que seu comportamento é aceitável. Se convencem também que a criança quer se relacionar com eles e projetam nela pensamentos e desejos que querem que a criança tenha sobre eles. Os autores traçam dois perfis de abusadores. O primeiro é classificado como “abusador” e o segundo, “molestador”, que possui subcategorias. O abusador caracteriza-se por atitudes sutis e discretas no abuso sexual, geralmente se utiliza de carícias, pois em muitos casos a vítima não é violentada. O molestador é considerado mais invasivo, menos discreto, e geralmente consumam o ato sexual contra a criança.
Enfim, como não há estudos que evidenciem não é possível estabelecer uma relação clara entre faixa etária do agressor e o abuso sexual infantil. A pessoa idosa que abusa ou molesta sexualmente uma criança está cometendo crime como qualquer outro, de qualquer faixa etária. Assim, é recomendável ficar atento as interações entre criança e adultos de todas as idades.
Fontes:
[1] Papai Noel de shopping se defende de acusação: “doença nos testículos”. https://www.pragmatismopolitico.com.br/2019/12/papai-noel-shopping-contagem-doenca.html
[2] Serafim, A.P. et al. Perfil psicológico e comportamental de agressores sexuais de crianças. Revista de Psiquiatria Clínica, 2009; 36 (3), 105-11. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rpc/a/vHCDkd9cw7cKpnLRLDgfLXk/?format=pdf&lang=pt#:~:text=Os%20abusadores%20caracterizam%2Dse%20principal,a%20crian%C3%A7a20%2D23%2C25