
Aline D’Avila, psicóloga
O “universo da expressão de violência engloba todo e qualquer ato de dominação que reduza a mulher, enquanto sujeito, à impossibilidade de expressar sua vontade e preservar sua própria identidade enquanto criatura inserida num universo desejante de amplitude verdadeiramente humana” (TAVARES, PEREIRA, 2007, p. 418). Conforme Blay (2003), o comportamento violento no ambiente doméstico possui alguns fatores predominantes e que estão diretamente relacionados a sua ocorrência, sendo eles: a persistente cultura de subordinação da mulher ao homem; uma idealização do amor romântico estimulado fortemente pelos veículos de mídia, a pouca importância que as instituições do Estado dão à denúncia e ao julgamento dos crimes contra as mulheres. Para tanto, a avaliação psicológica com mulheres vítimas de violência doméstica deve ser cuidadosa, visto que ela é permeada por muitas particularidades culturais, em especial os estereótipos de gênero (apud HUTZ et al., 2020). Ainda, cuidado deve-se ter para não culpabilizar a vítima durante a avaliação.
As consequências da violência doméstica são inúmeras para todos os envolvidos e podem causar danos imediatos ou tardios, seja para a mulher vítima da violência, ou para os filhos que presenciam ou são vítimas de violência também. As implicações podem comprometer a saúde física e mental, reduzir as possibilidades de defesa da vítima, deixando-a menos segura de seus valores e de seus limites pessoais, além de a tornar mais suscetível a vitimização (ADEODATO, CARVALHO, SIQUEIRA, SOUZA, 2005).
Estudos (ADEODATO, CARVALHO, SIQUEIRA, SOUZA, 2005; AMOR, ECHEBURÚA, CORRAL, ZUBIZARRETA, SARASUA, 2002; SÁ, 2011) demonstram que não são apenas mulheres de menor nível de escolaridade ou de baixa renda que sofrem violência doméstica, mas variáveis como idade, número de filhos, condições precárias de vida, desemprego ou baixo salário, contribuem para uma maior incidência de ocorrência de violência. Outros estudos (PAIM, MADALENA, FALCKE, 2012) também apontam uma associação entre esquemas iniciais desadaptativos e a violência conjugal, tanto sofrida como perpetrada, indicando que tanto sofrer diretamente violência na infância como testemunhar agressões entre os cuidadores são preditores de vivências de violência em relacionamento futuro.
Concernente às características de personalidade das mulheres que sofrem violência doméstica perpetrada por seus parceiros íntimos, foram identificados traços borderline, dependente e esquizóide (COOLIDGE, ANDERSON, 2002; ESTRELLADO, 2010; SÁ, 2011). De certo modo, isso sugere que existe uma interação entre determinados estilos de personalidade que tornam algumas mulheres mais propensas a se envolverem em experiências de violência. Contudo, a origem da violência contra as mulheres não pode ser encontrada em um único fator, ou relacionada a aspectos da vítima, haja vista variar em função de várias situações e de atos praticados como o local onde ocorreu, características dos agressores e a própria reação das vítimas (LOURENÇO, LISBOA, 1995).
Após a ocorrência da vivência de violência doméstica, as mulheres vítimas tendem a apresentar uma variedade de sintomas tanto físicos quanto psicológicos. Day e colaboradores (2003) apontam como sintomas físicos a presença de cefaleias, dores, palpitações, tontura, mal-estar, hematomas, fraturas, distúrbios gastrointestinais, dores musculares e inespecíficas em várias partes do corpo, perda ou aumento de peso, contusões, escoriações, quadros inflamatório, incômodos difíceis de serem localizados e diagnosticados, dor pélvica, infecções urinárias, gravidez indesejada, aborto espontâneo, dentre outros transtornos psicossomáticos. Outros estudos (DAY et al., 2003; HUSS, 2011; SÁ, 2011) descrevem sintomas psicológicos como depressão, ansiedade, síndrome de estresse pós-traumático, fobias, síndrome do pânico, ideação suicida, tentativa de suicídio, baixa autoestima, sentimentos de culpa, insegurança, vergonha, isolamento social, dificuldade de tomada de decisão, autocrítica precária, falta de concentração, entre outros. Mulheres que sofrem violência doméstica estão cinco vezes mais predispostas a apresentarem problemas psicológicos em relação às mulheres que não vivenciam essa situação e, muitas vezes, a violência psicológica causa sequelas ainda mais graves que efeitos físicos (GROSSI, 1995).
Texto produzido por @psi_alinedavila
Referências Bibliográficas:
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